Caracas, 24 a 26 de março de 1999
Assim, em presença do terceiro milênio, o Poder Judiciário dos Estados Membros da nossa organização, deve promover o fortalecimento da sua independência perante os outros poderes do Estado, insistir em uma contínua necessidade de ser mais eficaz e reafirmar os princípios fundamentais que regem a atividade jurisdicional, como instrumentos indispensáveis para atingir a dignidade e a disciplina que vai distingui-lo.
Como instrumento primordial para cumprir a missão encomendada e considerando a crescente globalização e integração das nações e dos indivíduos, as novas tecnologias são ferramentas de primeira ordem para propiciar a otimização na formação dos funcionários comprometidos com a atividade jurisdicional e administrativa desenvolvida pelo Poder Judiciário dos nossos Estados. É imprescindível, o apoio financeiro do Estado e dos organismos nacionais e internacionais comprometidos com o desenvolvimento de uma administração de justiça eficaz e acessível a todos os cidadãos.
Quero fazer público o meu reconhecimento ao Banco Mundial que tem apoiado econômica e tecnicamente o processo da reforma judicial venezuelana e a realização destas Reuniões de Cúpulas. Meu agradecimento, porém, é duplo porque temos um organismo internacional comprometido com as mudanças e com a renovação, sem diagnósticos e receitas preconcebidas. É a primeira vez, na minha opinião, que um organismo internacional não pretende se impor, mas sim contribuir com o que tem: técnicos, experiências e ajuda econômica.
O discurso do ano passado, realizado com motivo da inauguração daquela Reunião de Cúpula, mencionava que os Presidentes de Supremos Tribunais Federais e Supremos Tribunais de Justiça, tradicionalmente, nos reunimos a fim de discutir e trocar conhecimentos e experiências sobre temas jurídicos abstratos e sua aplicação a casos concretos; em outras palavras, nos reunimos para examinar a evolução da doutrina e da jurisprudência e a sua aplicação a determinadas instituições jurídicas e também era mencionado o fato de que, pela primeira vez, nos reunimos para discutir e analisar os temas jurídicos que os Chefes de nossos respectivos Estados decidiram como importantes.
Por essa razão, durante a nossa primeira Reunião de Cúpula de março de 1998, estabelecemos uma posição em relação a maneira em que o Poder Judiciário vê as definições políticas que poderiam afetar à Administração da Justiça e delineamos e acordamos a forma em que deviam ser tratadas durante a sua implementação, desde uma perspetiva estritamente jurídica.
Esse compromisso pode ser resumido nos seguintes princípios a serem executados:
1. Os Supremos Tribunais Federais e Supremos Tribunais de Justiça temos e devemos procurar os mecanismos que garantam a sua independência e a sua proteção perante intervenções exógenas ao Poder Judiciário.
2. Os Tribunais de Justiça e Supremos Tribunais Federais promoveremos os mecanismos de preparação e treinamento dos juizes, bem como a cooperação entre nós, para comparar o conhecimento das experiências próprias de cada uma com a dos restantes países.
3. Os Tribunais de Justiça e Supremos Tribunais Federais buscaremos meios para lutar contra a corrução e as formas de aplicação das normas que tornem possível o seu efetivo controle e sanção, bem como propor ao Executivo e ao Congresso as modificações legais e a promulgação de leis, que permitam um adequado exercício jurisdicional sobre os responsáveis de tão grave delito. O intercâmbio de experiências e conhecimentos é fundamental nesta matéria.
4. Os Tribunais de Justiça e Supremos Tribunais Federais solicitarão aos outros ramos do poder público, caso seja necessário, a promulgação de leis e a celebração de tratados, que tipifiquem com clareza as condutas do uso de substâncias estupefacientes e psicotrópicas como delito contra a humanidade.
Concluímos naquela oportunidade com a Declaração de Caracas a qual obrigamo-nos todos a cumprir.
Hoje, um ano depois, através do estudo dos quatro temas selecionados para este encontro, rendemos contas do que foi realizado e, ao mesmo tempo, nos solidarizamos e nos damos força para continuarmos executando nosso compromisso com a mudança e a modernização do Poder Judiciário, porque o seu fortalecimento, no âmbito de uma sociedade democrática, exige uma administração de justiça pulcra e ética na sua atuação, para assim assegurar os princípios que regem todo o procedimento judicial em forma simples, acessível, rápida, ágil, próxima do cidadão e eqüitativa nas suas decisões.
O temário escolhido mostra a nossa vocação para efetivar a relação entre inquietudes e necessidades mediante sua concretização na faculdade de julgar e fazer cumprir sentenças, para que assim o Estado, no exercício da sua potestade, afirme e garanta a todos os cidadãos o pleno vigor do estado de direito, mediante a proteção e desenvolvimento dos valores considerados nas Reuniões de Cúpula dos Chefes de Estado, como fundamentais para a realização de nossas democracias.
Esta segunda Reunião de Cúpula, mediante a modalidade de realizar sessões em plenário e com a vantagem de poder incorporar a nossas sessões os juizes de instância dos países participantes como observadores, a quem damos as boas-vindas, nos dedicaremos ao estudo dos seguintes temas:
Organização Judicial. Serão revisados aspetos relacionados com a eficiência do uso e gasto do orçamento judicial, para impulsionar diante das restantes ramas do Poder Público, um conjunto de normas comuns que garanta a autonomia do Poder Judiciário dos Estados participantes. Serão analisados, também, os mecanismos de seleção de juizes e de estabilidade judicial, com especial ênfase nas fortalezas e debilidades na formação e capacitação dos recursos humanos. Estas ações definirão as normas que regerão a Escola de Formação e Capacitação do Funcionário Judicial Ibero-Americano.
Corrupção. Nesta matéria, serão revisados os diferentes critérios em discussão para adotar o Código de Ética do Funcionário Judicial Ibero-Americano, bem como se "constituirá" um Tribunal de Justiça ad-hoc para tratar, num julgamento simulado, um caso hipotético para ver quais os critérios, os argumentos e as leis aplicadas pelos Juizes de diferentes nacionalidades, e assim, obter idéias que permitam aos juizes nacionais o manejo e aplicação dos instrumentos internacionais nesta matéria, como é o Tratado anticorrupção, nas suas relações com os ordenamentos jurídicos internos.
Direitos Humanos. Avaliar-se-á a efetividade do intercâmbio da jurisprudência entre os diferentes países, assim como com a Corte Inter-americana dos Direitos Humanos, para determinar como os instrumentos e a jurisprudência estão sendo aplicados pelos juizes da região nas suas sentenças.
Narcotráfico. Avaliar-se-á a identidade de normas comuns, assim como aquelas que possam ser adaptadas em forma unificada para conseguir a igualdade internacional dos processos judiciais e a compatibilidade nos tipos e sanções penais pelos diferentes sistemas judiciais.
As tarefas que enfrentamos as Cortes Supremas de Justiça e Tribunais Supremos Ibero-americanos nesta segunda Cúpula não são fáceis, escapam à tarefa ordinária do Juiz; significa assumir um papel ativo na solução dos grandes problemas que atacam a nossa sociedade. A colaboração de poderes vai mais além do marco formal de atribuição de competências que contemplam as Constituições. Realmente, com esforço estamos indicando aos nossos países que as Cortes temos plena consciência dos graves problemas que tem a administração de justiça no continente; que somos guiados por princípios éticos democráticos que nos impedem estar conformes com a situação atual; que temos tempo unindo importantes esforços para impulsionar reformas de fundo na administração de justiça, a fim de fazê-la confiável, eficiente e transparente; que não estamos de braços cruzados à espera de um poder reformador externo, porque desde dentro estamos impulsionando reformas de acordo com os valores e as normas de uma sociedade democrática participativa e plenamente consciente dos direitos que a assistem: igualdade em democracia traduz-se no direito ao processo devido.
A nossa região não escapa ao processo mundial de globalização e de integração de mercados. Os benefícios que ambos oferecem devem ser também aproveitados no espaço institucional das nossas respectivas sociedades democráticas, cuidando sempre as nossas identidades e evitando as tentações de cair na ilusão de soluções uniformadoras.
Este cenário de comunicação multinacional do Poder Judicial, constitui com toda a certeza a conformação de uma rede de informação e intercâmbio de experiências estruturalmente comuns aos nossos países, em matéria judicial. É alimentada por nós no tema do narcotráfico graças a toda a informação recebida na Unidade Técnica de Acompanhamento, que resolvemos criar o ano passado. A nossa gratidão aos delegados dos países que a integram, material que permitiu a elaboração dos papéis de trabalho para os temas desta segunda Cúpula. Durante o evento faremos uma demonstração do que seria a nossa rede judicial de informação, que chamámos IUDICIS, meio que nos permitirá manter um intercâmbio permanente entre todas as Cortes e Tribunais Supremos, que servirá de alimentador da habilitação e formação dos nossos juizes e auxiliares de justiça e tornará realidade o trascender as nossas fronteiras.
As nossas iniciativas não podem, sem dúvida nenhuma, ser objeto de mudanças mecânicas de uma sociedade a outra, mas sem nenhuma dúvida, o seu conhecimento representa um valioso estímulo no caminho criativo para a consecução de uma meta absolutamente comum: a construção e reconstrução de um Poder Judicial respeitado e respeitável, plenamente legítimo e confiável, autônomo e poderoso, na sua vontade de preservar e aprofundar o valor básico das nossas sociedades democráticas: a liberdade.
As Cortes Supremas de Justiça e Tribunais Supremos estamos na obrigação de assinalar aos Chefes de Estado os resultados desta segunda Cúpula em cada um dos temas tratados, especialmente quais são as medidas de ordem legislativo e político necessárias para a execução do que resolvamos.
Não posso deixar passar esta oportunidade, sem chamar a atenção e exprimir-lhes a minha preocupação pelos constantes embates e problemas internos, que estão sofrendo muitos dos nossos países, que inclusive, a transcendência deles tem obrigado a que algumas delegações a cancelar ontem a sua participação neste evento. A minha esperança é que os países da região que enfrentem severos problemas políticos, sociais e económicos saiam fortalecidos deste novo e amargo momento que estamos passando.
Hoje quando revisava estas palavras, ouvi a notícia de que tinham despegado os aviões de combate da NATO, para reunir-se num lugar e dar inicio ao bombardeio sobre Kosovo. É outra tragédia mais, que mostra como a falta de vontade política em solucionar um conflito, nos pode levar a esta nova angústia mundial.
Senhores, os problemas que passam no nosso continente são todos solucionáveis, mediante o império do direito e a aplicação das leis, num clima de vontade política, em fazê-lo. Nós estamos na obrigação de interpretar a lei para que na sua aplicação seja obra da justiça, mas também estamos na obrigação de sinalizar os sectores políticos, as mudanças que há que realizar e o Executivo e o Congresso, estão no dever de chegar a acordos que façam transitáveis os caminhos dirigidos a uma democracia verdadeira e participativa, que assegure a paz social, o crescimento sustido das nossas economias, dando a qualidade de vida que todos por igual merecemos.
Temos que fazer um chamado à rejeição do uso da força, como mecanismo de solução de controvérsia no plano internacional, mas fundamentalmente nacional.
Quero agradecer novamente a presença dos Presidentes e representantes das Cortes e Tribunais Supremos de Ibero-America, aos observadores, assim como às autoridades e pessoas que nos acompanham neste acto de instalação da segunda Cúpula, da qual tanto esperamos, todos os seus participantes e os usuários do sistema de administração de justiça.
Senhores Magistrados, senhores e senhoras, a todos, uma vez mais obrigada, muito obrigada por atender a este chamamento, para trabalhar pela solução dos problemas da administração de justiça em Ibero-America.